Recordação...

Terra mãe! Abril em flor é o teu regaço,
o nascer do sol o teu sorriso,
e o firmamento curvo o teu abraço!

A vida se enche de caminhos.
Passam os anos longos e felizes,
novas esperanças povoam os ninhos,
novas sementes ganham tronco e raízes.

Cintilam astros no céu distante,
novas chuvas caiem sobre as fragas,
novos mundos germinam dentro do mundo.

Decorre a existência serena
no trânsito mimoso dos dias.
A brisa da tarde sopra amena,
a da manhã acorda aleluías.

O calor do sol abençoa a planície,
na paisagem repousa-se a alma.
A vida é o rio Lima, de água calma,
cheia de paz e de azul à superfície.


[20-02-1964]

Barqueiro no Lima

Vens daquele tempo agora longínquo
em que havia barqueiros no Lima.
Barcos de “rio acima” singravam à vela,
sem desperdiçar o sopro do vento,
ou, então, eram arrastados à vara
pelas mãos tisnadas do barqueiro.

Hoje não há ventos favoráveis:
vejo-te perfilado no teu barco,
a navegar a pulso, contra a corrente…
Coragem. É o destino.

Ao Amândio Sousa Dantas

2014.12.01

Num dia de aniversário…


Vai e vem, uma onda e outra onda,
o mar permanente é um destino.
Navega em águas claras
e não te deixes afogar na espuma
nem obedeças ao ímpeto da corrente.


Ao Porfírio
2014.11.26

As tuas palavras...


Poeta,
  
quando no meu caminho
encontro dispersas as tuas palavras,
olho-as como quem lê atentamente
mas não as recolho no alforge.

Não digo (nem escrevo): gosto ou não gosto.

Sei que elas trazem pedaços de ti,
e o vento, ao soprar, há-de levá-las
para as ignotas paragens
onde outras almas delas têm sede.

Quanto a mim, deixarei apenas
que um suspiro do coração
as acompanhe.


Na página (facebook) de Amandio Sousa Dantas
em 03.04.2014

Convite


A um amigo



Envio-te algumas folhas de chá.
Vieram algures da montanha.

Toma delicadamente um vaso de porcelana azul.
Enche-o de água de neve recolhida ao amanhecer
na encosta leste da montanha.
Coloca o vaso sobre uma fogueira de gravetos de ácer
colhidos num bosque antigo
e deixa-o assim até que a água comece a borbulhar.
Então, deita-a numa taça,
onde antes colocaste algumas folhas deste chá.
Cobre a taça com um pano de seda branca.
E espera até que se espalhe no teu aposento
uma fragrância comparável à de um jardim.

Leva a taça aos lábios, depois fecha os olhos.
Sentir-te-ás no paraíso.

- tradução de um poema da antiga China –
adaptado

3 de Maio de 2014
                                                                                            

A um amigo que partiu



Viagem

O meu amigo partiu para a montanha,
ainda o vi ao longe, na curva da estrada,
quando o sol da tarde dourava o seu manto.

O alto cume aonde se dirigia
toca a abóbada celeste,
de lá se contemplam no horizonte
as coisas que no fundo do vale
os mortais não vislumbram.


2011-11-07

Liberdade


O teu olhar é límpido,
longe olha,
não vê a desgraça
no universo que te rodeia.

Descalça caminhas
com segurança e firmeza,
os pés não se conspurcam
na imundície da estrada.

Pobre, da luz te revestes,
sem jóias, sem atavios,
o teu corpo indomável
resplandece como a verdade.

Sonharam dominar-te,
acorrentar-te ao mundo
sórdido e egoísta.
Mas tu voaste mais alto,
sobre a linha do horizonte.

A ti me dou
por ti morrerei,
porque corres no meu sangue,
irmã, mãe da minha alma,
Liberdade!